Pese o alto número de mortos e à exceção do ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, que em outubro chamou de “mera bravata” a disputa
entre facções criminosas, o massacre no maior presídio do Amazonas não
foi nenhuma surpresa.
Ao que tudo indica, os 56 presos mortos no Complexo Penitenciário
Anísio Jobim (Compaj) entre o domingo (1°) e esta segunda (2) fazem
parte da cronologia da guerra desatada em junho entre o Primeiro Comando
da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), inicialmente em torno da
disputa pela fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai, principal
porta de entrada de drogas no país.
No dia 15 daquele mês, o traficante Jorge Rafaat Toumani foi morto em
Pedro Juan Caballero, fronteira seca com Ponta Porã (MS), em tiroteio
cinematográfico que durou 4 horas e envolveu cerca de 70 criminosos. A
ação foi atribuída ao PCC.
A partir de meados de outubro, a guerra descambou em acertos de conta
nos presídios do Norte, consequência de alianças do PCC e do CV com
organizações criminosas regionais.
O primeiro massacre ocorreu em Boa Vista (RR), com dez mortos.
Seguiu-se Porto Velho (RO), com oito mortos, e depois Rio Branco (AC),
onde houve quatro assassinatos dentro de um presídio e cinco nas ruas da
cidade em um intervalo de 24 horas. Em todos os casos, as investigações
apontaram a guerra entre facções como causa.
Tampouco é novidade a incapacidade dos superlotados sistemas prisionais do Norte em administrar a sua população carcerária.
Em entrevista à Folha logo após as mortes, o secretário de
Segurança Pública do Acre, Emylson da Silva, afirmou que, mesmo em
estado de alerta, não havia como evitar a violência. “Há dez pessoas
dentro de uma cela. Se alguém decide ali que vai executar alguém, fica
muito difícil evitar”, admitiu.
A situação é ainda pior em Manaus, a capital mais violenta da região
Norte. Ali, o Compaj, com capacidade para 454 presos, abrigava 1.244
detentos em dezembro. Assim como outros secretários de Segurança Pública
da região, o amazonense Sérgio Fontes apontou a guerra entre facções
como motivação, mas disse que não há como manejar presos devido à falta
de vagas.
Os presídios da capital amazonense são o berço da Família do Norte
(FDN). Principal facção criminosa da região Norte, é adversária do PCC e
apontada pelo governo como mandante do massacre e de dezenas de
assassinatos pelas ruas de Manaus nos últimos anos.
Segundo a Polícia Civil do Amazonas, a FDN começou a se estruturar a
partir de 2007, em resposta à entrada no Estado do PCC, que buscava
controlar a rota da cocaína vinda da Colômbia pelo rio Negro e os postos
de venda de Manaus. Entre 2011 e 2012, teria ocorrido a primeira grande
onda de assassinatos relacionada à disputa.
Os principais líderes da FDN estão presos no Compaj ou já cumpriram
pena no presídio, de onde comandam o tráfico. Tido como líder principal,
José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, atualmente
cumpre pena no presídio federal de Campo Grande (MS).
A cidade atravessa seu momento mais violento da história. Com uma
taxa de homicídio de 48 mortos por 100 mil habitantes (2015), Manaus é a
23ª com mais crimes desse tipo do mundo, segundo o ranking da ONG
mexicana Seguridad, Justicia Y Paz.
O crescimento tem sido exponencial: concentradas principalmente na
capital de cerca de 2 milhões de habitantes, as mortes violentas no
Amazonas aumentaram 134,4% entre 2004 e 2014, de acordo com o Atlas da
Violência 2016.
Os números e os diagnósticos dos secretários estaduais de Segurança
têm encontrado ouvidos moucos no ministro Moraes. Ao comentar as mortes
em presídios do Norte em 18 de outubro, ele negou que houvesse uma briga
de facções no país.
“Às vezes, há mera bravata entre as pessoas que fazem a rebelião.
Fora isso, não há nada que indique essa coordenação em vários Estados”,
afirmou na época.
Com governos estaduais sem capacidade de resposta, o massacre no
Compaj provavelmente não será o capítulo final dessa guerra. Trata-se
mais de saber onde ela ressurgirá e com qual grau de violência.
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